Saiba por que Henrique Cruz não fica parado
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Henrique Cruz em foto de Jaques Diogo: artista em movimento |
Por Raulino Júnior
O título desta entrevista sintetiza de forma contundente o fazer artístico de Henrique Cruz:
ele está sempre em trânsito. Literal e metaforicamente. Inquieto, o
mineiro, natural de Belo Horizonte (BH), vive entre a capital
de Minas e a cidade de São Paulo, na qual, muito em breve, pretende fixar
residência. Enquanto se divide entre as duas metrópoles, produz e ensaia
um musical infantil, com previsão de estreia para o início de 2016. E não para por
aí! Entre os dias 30 e 31 de outubro e 6 e 7 de novembro, apresentará o
seu novo show, intitulado Tropical, na inauguração do Espaço Cultural COMPALCO,
em BH. "Tenho planos de levar o show para Salvador, mas ainda não sei
como isso acontecerá", afirma. Por sinal, Henrique tem grande
admiração pela Bahia. "Nasci gostando. Deve ser coisa de outras vidas". Em 2012, esteve em Salvador pela primeira vez, para participar do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (Filte Bahia). Há três anos, passa o carnaval aqui. Revela ser fanzaço do Ara Ketu, adora Luiz Caldas e fica louco com a batida do samba-reggae. Ficar parado, de fato, não é a dele.
Henrique Álvares Cruz é filho único do casal Alda Lacerda Álvares e Antônio Meirelles Cruz, ambos funcionários públicos. Ator, cantor, produtor e diretor teatral, transita na arte desde criança. Aos oito anos, já estava em cena. Com 16, estreou o seu primeiro espetáculo profissional, um musical de Pluft, o Fantasminha, sendo indicado na categoria de ator-revelação no Prêmio SESC/SATED (Serviço Social do Comércio/Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões, de Minas Gerais), em 1999. Ao longo da carreira, fez inúmeras peças, já atuou em curtas, integrou o elenco de um episódio do programa Agora é com a gente (canal Futura, em 2001) e participou (e participa) de algumas campanhas publicitárias. Formado em Teatro, pelo Centro de Formação Artística e Tecnológica da Fundação Clóvis Salgado (Cefart), que faz parte do complexo cultural Palácio das Artes, em Minas Gerais; em História, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas); e pós-graduado em Arte Contemporânea, também por essa instituição, Henrique Cruz justifica por que vive se movimentando: "A arte é trânsito, se faz e se desfaz a todo momento". Na entrevista a seguir, feita por e-mail, o artista fala de carreira, música, teatro e TV.
Desde que eu me entendo por gente: Numa entrevista publicada no YouTube, você disse que a sua mãe o colocou no teatro ainda criança, por te considerar tímido. Você queria fazer teatro?
Henrique Cruz: Provavelmente,
sim, mas não posso garantir. Eu era, de fato, uma criança
tímida, mas esse olhar para a arte sempre me acompanhou.
Segundo conta minha mãe, uma amiga havia dado um toque para que ela me
inscrevesse em uma escola de teatro para crianças. Acabei entrando numa
turma que tinha gente de várias idades, o que foi bem legal. Coisa que
se repetiu em meu curso de formação como ator, no Palácio das Artes; em
meu curso de graduação em História, e também em meu curso de
especialização em Arte Contemporânea: várias gerações que se encontraram
e tiveram de dialogar. Extremamente saudável isso!
Desde: Hoje em dia, o que a sua família acha de sua carreira?
HC: Tenho
o apoio de meus pais, que olham minha profissão com admiração e, ao mesmo
tempo, com receios, sobretudo por conta das instabilidades típicas da
carreira artística.
Desde: Algum outro integrante da sua família é envolvido com o universo artístico?
HC: Tenho
uma prima, por parte de mãe, que é grande artista, chamada Rose Brant.
Além de atriz, é uma cantora talentosíssima. Também tive alguns
tios-avôs poetas, já falecidos, em Dores do Indaiá (cidade do interior de Minas Gerais, da qual os pais de Henrique são oriundos).
Desde: Onde você estudou teatro?
HC: Como
ator, minha formação se deu no Centro de Formação Artística da Fundação
Clóvis Salgado (Palácio das Artes), em Belo Horizonte. Mas, ao longo
desses anos, também participei de diversos cursos livres de teatro, de
menor duração, porém intensos. Dentre os cursos, destaco aqueles
ministrados por Cacá Carvalho, por Yara de Novaes e pelo diretor russo
Mikhail Chumachenko. Como cantor, não posso deixar de
destacar mestres importantíssimos em minha formação, como Babaya Morais,
Eudósia Acuña Quinteiro, Aída Couto, Eládio Pérez-González, dentre
outros. Desde 2013, estudo teoria e prática musical na Fundação de Educação Artística. Também estudei dança com Helena e Lúcia Weber, em São Paulo; e com Adriana Burni, em Belo Horizonte.
Desde: Como foi a sua trajetória no teatro?
HC: Comecei
no teatro aos oito anos de idade. Participei de grupos amadores até os 15, quando prestei audição para o SATED/MG e conquistei meu registro
profissional. Com 16, estreei meu primeiro trabalho profissional,
pelo qual fui indicado ator-revelação no prêmio SESC/SATED. Por dez anos,
integrei o Grupo Teatral Encena, dirigido por Wilson Oliveira, onde
montamos textos clássicos, entre espetáculos adultos e infantis. Por três
anos, integrei a Companhia Clara de Teatro, dirigida por Anderson
Aníbal, com a qual viajei por diversas cidades brasileiras, realizando
temporadas e participando de festivais importantes. Também integrei
elencos de espetáculos produzidos por coletivos artísticos e desenvolvi
trabalhos independentes, vários deles premiados.
Desde: Você tem um currículo extenso. Tem alguma peça que não fez, mas tem vontade de fazer?
HC: Tem
inúmeras peças teatrais em que tenho vontade de atuar. Mas, às vezes,
falta o dinheiro para produzir, ou a equipe mais adequada para
determinada produção. Quero ainda vestir muitos personagens,
experimentar nuances, conflitos e jogos. Nesse sentido, quero também
trabalhar com vários diretores brasileiros que admiro...
Desde: Dos espetáculos de teatro que fez, qual foi o mais marcante?
HC: Na
Companhia Clara de Teatro, destaco a peça Coisas Invisíveis (texto de
Gustavo Naves Franco e direção de Anderson Aníbal). Um espetáculo
delicado e contemporâneo, que marcou a cena teatral em Belo Horizonte
nos anos de 2003 e 2004. No Grupo Teatral Encena, destaco a peça Nossa Cidade, um dos textos de teatro mais lindos que já li, um clássico
escrito pelo norte-americano Thornton Wilder e dirigido, em 2010, por
Wilson Oliveira. Ressalto ainda uma outra montagem: Vereda da
Salvação, escrita pelo dramaturgo brasileiro Jorge Andrade e dirigida
por Marcelo Bones. Nessa peça, interpretei um dos personagens mais
marcantes em minha trajetória até o momento, chamado Joaquim, um jovem
que acreditava ser a reencarnação de um messias, fruto de um povoado rural
sofrido e que prometia a seus seguidores o caminho para o paraíso.
Desde: Qual é o seu objetivo nas artes cênicas?
HC: Servir
à arte, buscando um sentido para a existência. Em cada trabalho, tento
um equilíbrio entre as circunstâncias materiais e as realidades por
vezes intangíveis e abstratas do fazer artístico, para, enfim, tocar as
pessoas, emocioná-las, provocar questionamentos, provocar curas,
dialogar. A todo o tempo, sinto que estou testando minha vocação e alimentando a coragem para enfrentar as incertezas.
Desde: Qual ator (ou atriz) mais te impressiona?
HC: Gosto
bastante dos atores Cacá Carvalho e Lee Taylor e das atrizes Ana Kfouri
e Clarice Niskier. São atores e atrizes extremamente dedicados ao
ofício, corajosos e o resultado expressivo que conseguem construir,
cada qual com seu trabalho, é potente e admirável.
Desde: Conhece as manifestações do teatro baiano? Destacaria alguma coisa?
HC: Conheço
algumas expressões, mas, infelizmente, muito do que é produzido
atualmente na Bahia não circula, como deveria, pelo país. Quando estive
em edições passadas do Filte Bahia, tive o grande prazer de assistir a
vários trabalhos de coletivos artísticos de Salvador. A trajetória do
Bando de Teatro Olodum é algo admirável. O Balé Folclórico da Bahia, que
produz um trabalho de encher nossos olhos e nosso espírito, também
merece todos os destaques. Recentemente, assisti a alguns trabalhos do
grupo Teatro da Queda e do diretor João Sanches, dos quais gostei bastante.
Desde: No
teatro mineiro, há também a “indústria da cortesia”? Ou seja, pessoas
que já esperam o ingresso de cortesia para assistir a um espetáculo? Qual é
a sua análise sobre isso?
HC: Creio que em todo
lugar, ao menos no Brasil, as pessoas possuam esse hábito, o que acabou
fazendo parte da lista de preocupações da maioria das produções
artísticas, infelizmente. As produções menores, que não possuem
patrocínios, acabam sofrendo mais com isso. Nesse sentido, é
interessante lembrar o que disse a atriz Cacilda Becker: "Não me peça
para dar a única coisa que tenho para vender".
Desde: Na sua opinião, quais são os rumos do teatro no Brasil?
HC: Estamos
em momentos de crise. Mas, já disseram algo que, de fato, é notório:
"Quando é que o teatro não esteve em crise?" (sinaliza riso). E a partir da crise,
reergue-se. Então, o teatro está sempre se construindo, se reerguendo,
abrindo possibilidades e meios de sobreviver. Afinal, enquanto houver um
homem sob a face da Terra, o fazer teatral irá se justificar.
Desde: E novela, tem vontade de fazer?
HC: Faço
com muito gosto. Novela é uma possibilidade de trabalho incrível,
difícil, rentável, e, quando o ator tem a oportunidade de participar de
um trabalho artisticamente bem elaborado, certamente se torna um prazer.
Desde: A gente vive num país em que há um padrão de beleza socialmente estabelecido. Qual é a sua opinião sobre isso?
HC: Grande
parte de nós vivemos sob a pressão desses padrões, que são mutáveis e
historicamente construídos. A beleza é relativa, subjetiva. E, a cada
momento, temos de nos esforçar para quebrar todos os padrões limitantes e
marginalizantes, para ultrapassá-los.
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"Tudo vai perecendo", diz Henrique, sobre padrão de beleza. Foto: Jaques Diogo |
Desde: Você se encaixa nesse perfil de padrão de beleza. Como lida com isso? Ajuda ou atrapalha?
HC: É? (sinaliza riso) Bom, o tempo passa rápido e tudo vai perecendo. Tento aceitar
essa passagem, mas ainda não consigo parar de brigar contra o tempo, em
vários sentidos; embora eu saiba que temos prazo de validade.
Desde: O
que gosta de ver na TV?
HC: Tenho visto pouquíssimo TV, mas sou viciado em
YouTube. Adoro programas de entrevistas, novelas antigas, Chaves, um ou
outro de esporte… Mas raramente assisto.
Desde: Qual é a sua opinião sobre programas de TV com ênfase em disputa musical? Participaria de algum?
HC: Com
esses programas, diversos cantores , profissionais ou não, acabam tendo
a chance, de certa maneira, de se exercitarem, de "entrarem em choque"
com algum julgamento (coisa pela qual um artista passa a vida inteira). Os jurados, na maioria das vezes, são profissionais que têm algo a
dizer. Vemos pessoas que atravessam quilômetros, atrás desses programas,
em busca de alguma coisa que elas, muitas vezes, nem mesmo sabem, mas,
todo esse movimento acaba gerando algum tipo de transformação, por menos
aparente que essa transformação seja. E isso é saudável, em minha
opinião. Então, ainda que essa indústria midiática produza esse tipo de
programa visando somente retorno financeiro (porque não podemos nos
esquecer, é claro, de que há uma indústria por trás disso tudo), o que
ela provoca é interessante, tanto para quem participa, como para o
público que tem a oportunidade de conhecer grandes vozes e grandes
talentos de nosso país. Inclusive, um dos cantores mais talentosos das
gerações mais recentes, o Diego Moraes, foi revelado para o grande
público brasileiro em 2009, quando participou de uma das edições do
Ídolos.
Desde: Então, você participaria de um programa dessa natureza?
HC: Em princípio, não me vejo participando de um programa de concurso de talentos.
Desde: Em setembro de 2014, você lançou o seu primeiro show, o De Peito Aberto. Como está sendo essa experiência de cantar?
HC: É
uma realização muito prazerosa que, ao mesmo tempo, requer de mim uma
disponibilidade integral, já que, para se produzir algo bacana, tem de
se trabalhar arduamente. Aprendi com um professor que "a arte é
ciumenta, pede exclusividade de quem a realiza". O trabalho como cantor
já vinha sendo alimentado por mim há algum tempo. Como ator, comecei
estudando técnica vocal e, desde 2008, estudo canto popular. Em 2011,
fiz participações como cantor em alguns shows e, em 2013, passei a ter a
música como ofício.
Desde: O que o ator emprestou ao cantor?
HC: Creio que tudo, inclusive a dúvida. Às vezes, o ator até fala mais alto do que deve (sinaliza riso). Como
ator, aprendi a trabalhar a sensibilidade, o valor da palavra, a
expressão corporal, a disponibilidade para a dúvida. As experiências e
as referências que pude ter, me ensinaram a ter um olhar mais amplo para a
criação artística e também para o diálogo entre as artes.
Desde: No show De Peito Aberto, você colocou no repertório músicas de alguns compositores baianos. A musicalidade da Bahia te comove?
HC: Os
sincretismos culturais e as sínteses que vários artistas baianos
conseguem realizar me comovem, me mobilizam e me estimulam muito.
Inclusive, nesse meu novo show, eu tenho
comigo diversos compositores baianos, que refletem a diversidade da
música brasileira e sua expressão mais rítmica, inteligente e vibrante. Canto músicas de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Raul Seixas,
Gerônimo, Carlinhos Brown e coisas do Ilê Aiyê.
Desde: Na música, quem são os seus ídolos?
HC: A
voz e o senso estético de Zizi Possi, a visceralidade de Elis Regina, a
integridade de Maria Bethânia, a inteligência musical de Gilberto Gil,
de Djavan e de Caetano Veloso.
Desde: O que você não escuta de jeito nenhum?
HC: Ouço
de tudo. Estou aberto a escutar todos os gêneros. Cada gênero possui
canções bacanas e canções ruins. Cada lugar e cada ocasião merecem suas
músicas. E, como profissional, qualquer música tem o potencial para
estimular alguma coisa em mim... Uma escuta atenta pode ensinar muitas
coisas, independentemente do gênero musical. O lance é deixar fluir, sem
preconceitos.
Desde: No próximo dia 30, você estreia o show Tropical. Por que intitulou o espetáculo com esse nome? Qual é o conceito?
HC: Com
relação ao título do show, ocorreu espontaneamente, numa conversa
que eu estava tendo com Pádua Teixeira, um diretor daqui, que está me ajudando a produzi-lo e que também fará a direção de cena, a
partir do que estou trabalhando musicalmente: uma mistura de gêneros de
nosso país. Um show que tem no repertório canções que transitam entre
algo mais sentimental, existencialista e algo mais rítmico e dançante.
Compositores que dão as caras e as cores das nuances de nossa terra,
composta por poesia, lágrimas, festas e, SOBRETUDO, por misturas. Essa
pesquisa da tropicalidade me interessa muito.
Desde: Artisticamente, você já chegou aonde queria?
HC: Não!
Já consegui ter alguns momentos em que me senti realizado nessa minha
trajetória, mas a arte é trânsito, se faz e se desfaz a todo momento.
Não tem um lugar onde se estacione que se possa ter essa sensação de
ponto de chegada. O fazer artístico é sempre um processo de caminhar, de
busca.
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