"Gosto de pagode. Acho gostoso como gĂȘnero", afirma professor da UFBA

Paulo Miguez faz uma anålise sensata do pagode baiano e afirma que o duplo sentido presente nas letras é oriundo de uma tradição do cancioneiro nacional
Paulo Miguez, professor da UFBA | Crédito: Lucas Seixas

 Paulo Miguez tem 58 anos, Ă© doutor em Comunicação e Culturas ContemporĂąneas, professor do Instituto de Humanidades, Artes e CiĂȘncias (IHAC) e do Programa Multidisciplinar de PĂłs-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal Bahia. O estudioso Ă© referĂȘncia quando o assunto Ă© mĂșsica baiana e o carnaval de Salvador. Nesta entrevista, ele se debruça sobre o pagode baiano e coloca as suas impressĂ”es acerca do gĂȘnero.

Desde Que Eu Me Entendo Por Gente: O que, em sua opiniĂŁo, contribuiu para ascensĂŁo de grupos de pagode como o Ă‰ o Tchan dentro do mercado brasileiro de mĂșsica?

Paulo Miguez: Acho que a prĂłpria ambiĂȘncia do carnaval explica isso, que Ă© o lugar onde eles surgem e que vĂŁo aparecer para o Brasil e para o mundo. O sucesso do carnaval explica muito o sucesso desses grupos. No finalzinho dos anos 80, o carnaval baiano sofreu um processo de transformação, que ganhou musculatura no inĂ­cio dos anos 90. Logo na sequĂȘncia, esses grupos de pagode explodem. Na verdade, eles jĂĄ existiam. Sempre tivemos grupos de pagode e de samba aqui. O pagode, do ponto de vista musical, tem caracterĂ­sticas interessantĂ­ssimas. Num certo sentido, ele me sugere a ideia de atualização do samba de roda, numa perspectiva mais eletrĂŽnico-aerĂłbica, porque incorpora os instrumentos eletrĂŽnicos e retrabalha toda a forma de dançar do samba, permitindo que essa coreografia mais tradicional seja contaminada pelos movimentos das academias de ginĂĄsticas.

DQEMEPG: O declĂ­nio veio por falta de manejo dos empresĂĄrios ou por que esses grupos nĂŁo atenderam mais Ă s expectativas do pĂșblico e do prĂłprio mercado?

Crédito: Lucas Seixas
PM: Acho que a gente tem que qualificar melhor essa ideia de que eles entraram em decadĂȘncia total. Os grupos de pagode podem ter desaparecido do topo da lista de mais vendidos da indĂșstria fonogrĂĄfica, mas continuam fazendo shows o tempo inteiro. Alguns nomes do pagode baiano continuam tendo lugar de algum destaque no carnaval. Esse pagode de agora, funkeado, que dialoga com outros gĂȘneros, produziu, nos Ășltimos anos, figuras muito interessantes na cena carnavalesca e no show business. Do ponto de vista das carreiras, boa parte desse pessoal que Ă© reconhecido como grande nome da axĂ© continua com a agenda lotada. Eles vendem, por exemplo, mais do que nomes consagrados da mĂșsica brasileira. NĂŁo vendem mais sete milhĂ”es porque a indĂșstria do disco nĂŁo vende mais isso.

DQEMEPG: Os grupos É o Tchan, Terra Samba  e Nossa Juventude, por exemplo, que fizeram sucesso na dĂ©cada de 90, ficaram fora do circuito midiĂĄtico e voltaram com certo apelo popular. O que explica isso?

PM: O que explica Ă© que eles saem da grande mĂ­dia, deixam de ser a bola da vez, e vĂŁo ficar acomodados em nichos de consumo cultural que continuam celebrando-os como grandes estrelas. É evidente que quando eram “a bola da vez” a caixa registradora funcionava numa rapidez e numa magnitude maior. Eles podem nĂŁo aparecer mais na mĂ­dia, mas nĂŁo desaparecem do cardĂĄpio de show business Brasil afora.

DQEMEPG: O senhor gosta de pagode?

PM: Gosto! Claro! Adoro! Acho gostoso como gĂȘnero. Interessa-me o seu viĂ©s como festa carnavalesca baiana.

DQEMEPG: Hoje em dia, a gente vĂȘ muitas crĂ­ticas em relação Ă s letras do pagode. A qualidade nas letras piorou ou nĂŁo dĂĄ nem para mensurar?

Crédito: Lucas Seixas
PM: Piorou em relação ao quĂȘ? Fala-se muito que atualmente hĂĄ crĂ­ticas em relação a isso, mas sempre teve muita crĂ­tica, com teor muito semelhante. As pessoas, Ă s vezes, nĂŁo se dĂŁo contam da bobagem que estĂŁo falando quando comparam as letras de agora com as de antigamente. Querem comparar com o quĂȘ? Com as marchinhas carnavalescas, por exemplo? NĂŁo vejo que sentido de grandeza poĂ©tica elas tinham. AtĂ© porque a intenção, quando se escreve uma letra para um samba que vai tocar na rua ou uma marchinha que vai nos animar no carnaval, Ă© fazer a festa. A gente sempre teve uma longa tradição da canção com sĂĄtira, com duplo sentido. NĂŁo Ă© uma coisa estranha e nĂŁo foi inventado pelo pagode. O jeito de dançar, as letras, tudo sempre foi objeto de muita crĂ­tica entre os setores, digamos, mais letrados e intelectualizados. Eu nĂŁo alinho com eles, nĂŁo. Adoro a molecagem pagode. Adoro o ritmo. Acho bacanĂ©rrimo.

DQEMEPG: O pagode baiano Ă© um fenĂŽmeno da indĂșstria cultural que Ă© pouco estudado na academia. Nesse sentido, as universidades tĂȘm preconceito com o pagode?

PM: Eu diria que nĂŁo necessariamente com o pagode. Mas, dependendo do lugar da universidade, vocĂȘ vai ver que tem temas que nĂŁo sĂŁo, exatamente, os temas mais bem acolhidos. Eu, por exemplo, tive alguma resistĂȘncia quando, no mestrado em administração, quis estudar o carnaval; porque carnaval Ă© coisa para antropĂłlogo estudar. No mĂĄximo, sociĂłlogo ou historiador. EntĂŁo, algumas das ĂĄreas das universidades delimitam um repertĂłrio de temas que sĂŁo eleitos como bons e outros passam a ser temas menores. Essa Ă© uma razĂŁo. A outra Ă© quando alguĂ©m diz que este Ă© um tema que nĂŁo pode ser estudado pela universidade, que nĂŁo tem a dignidade para se transformar em objeto de estudo. AĂ­ Ă© que eu acho complicado. Mas isso tambĂ©m nĂŁo Ă© incomum, nĂŁo. Essa coisa do tema maldito, do tema mais difĂ­cil de ser absorvido como objeto de estudo, Ă© bastante frequente.

Observação: Esta entrevista foi originalmente produzida para a disciplina Oficina de Jornalismo Digital, ministrada pela professora Suzana Barbosa, da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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2 ComentĂĄrios

  1. Gostei da visĂŁo dele enquanto ao pagode, porĂ©m ele estĂĄ esquecendo da questĂŁo histĂłrica, referente ao pĂŁo e circo, que estamos cansados de ouvir, e tambĂ©m esquecendo que a sĂĄtira antigamente nĂŁo faziam crianças entenderem o que a mĂșsica estĂĄ se passando, agora, Ă© sĂł a criança saber o que sĂŁo os ĂłrgĂŁos genitais, que jĂĄ entende o que os cantores falam. E por fim, a escandalização da mulher era totalmente diferente, nĂŁo chamava a mulher de simples "objeto sexual".
    Entendo que é a opinião dele, até mesmo o estudo, mas consideremos que os defeitos do pagode sobrepÔem as qualidades em grandes escalas.

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